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                   Movimento Fé e Política: identidade, memória e protagonismo

O Movimento Fé e Política foi criado no ano seguinte à publicação da Carta Magna do povo brasileiro, a Constituição Federal de 1988, portanto, em junho de 1989 durante um encontro de pessoas unidas pela fé cristã comprometida com a transformação e superação da desigualdade social na opção preferencial pelos pobres. Os participantes destacaram a política como uma dimensão e caminho de vivência da fé assumindo as causas populares com o objetivo de alimentar a ética e espiritualidade no exercício da cidadania e na atividade política, como meio de construir o Reino de Deus, de justiça, paz e igualdade para todos.

Em nossa região – Macaé/Rio das Ostras – o Movimento surgiu a partir do Grito dos Excluídos, evento organizado todos os anos pelas pastorais sociais da CNBB e outras entidades, realizado em sete de setembro de 2006 em Rio das Ostras. Nesse encontro, iluminados pelo Espírito Santo, percebemos que era chegada a hora de propor a reflexão sobre Fé e Política de forma ampliada e abrangente, isto é, com novos companheiros, objetivando a construção real dos nossos sonhos de vida digna e plena para todos, à luz do Evangelho, norteador das relações sócio-políticas e, participação nas demandas que favoreçam a ética, a justiça e a igualdade social, apoio aos movimentos populares e interferência nas ações públicas a nível Federal, Estadual e, sobretudo Municipal, onde convivemos e tudo se inicia.

Desde então, promovemos vários encontros de conscientização, nos mobilizamos na campanha sobre a reestatização da Vale do Rio Doce, na coleta de assinaturas do Projeto de Lei de Iniciativa Popular Ficha Limpa, além de atividades referentes ao voto limpo e contra a corrupção eleitoral. O movimento realizou também debates entre candidatos a cargos públicos nas eleições de 2008 e 2010. Atualmente estamos desenvolvendo em São Pedro d’Aldeia e Rio das Ostras o acompanhamento do legislativo local, o que tem sido muito eficaz.

Em 2009, construímos o primeiro Fórum Regional de Fé e Política, o qual se seguiu nos anos posteriores, sendo os dois primeiros em Macaé (2009 e 2010), o terceiro (2011) em Rio das Ostras com participação do deputado federal Chico Alencar e o quarto, na cidade de Macaé, ocorrido no dia de 16 de junho, no auditório da FAFIMA, vivo em nossa memória.

O Movimento, conforme sua Carta de Princípios, se identifica como aberto a todas as crenças e não partidário, no entanto, conta com fiéis e políticos partidários de várias igrejas cristãs e adeptos de outras religiões e de várias legendas, respectivamente. Nos encontros nacionais, estaduais e regionais, contamos com cidadãos que exercem cargos públicos que comungam dos princípios do Movimento e procuram assumir no exercício de seus mandatos.

O IV Fórum, realizado há pouco, foi escrito com todos estes componentes: mística, memória, partilha do saber com o assessor Estadual, Návio Fiorin e a presença do Deputado Federal Alessando Molon, também membro do Fé e Política. Tivemos um retrato do país/município que temos e uma análise do que queremos. Foi um momento histórico, emoldurado pela fé e pela esperança, apesar dos pesares, sintetizada na frase do Bispo D. Pedro Casaldáliga: “As causas que defendemos definem quem somos”. Que assim seja.

Pe Mauro Nunes – Movimento Fé e Política Litoral

Macaé, 25/06/2012

 

PÁSCOA DE JESUS E A NOSSA HORA DE PÁSCOA

Ano após ano, o ciclo litúrgico nos encaminha para celebrarmos o ápice da missão de Jesus, o Mistério da sua Paixão, Morte e Ressurreição. A Semana Santa, magna e grandiosa, culmina com a sua vitória sobre a morte e suas estruturas cuja causa é o pecado, portanto, é na sua Páscoa que se revela a inclinação e plena libertação de Deus sobre o clamor e a miséria de seu povo. É na Páscoa de Jesus que se revela a essência de nosso ser e existir cristão.

Nesta semana vivenciamos, celebrativamente, e com sublime intensidade a vitória do vencido. O Mistério evidencia o Cristo-Cordeiro, vítima das mais acentuadas transgressões humanas. Vítima da prepotência que ignora a presença salvífica de Deus no mundo e o torna banido, marginal, sofredor. Aí se solidariza com os fracos, os pequenos e pobres sofredores. A sua cruz é a cruz de todos os que são humilhados pelo pecado humano.

Da cruz ao sepulcro, irrompe o silêncio. A humanidade se cala, interroga-se! E movida pela esperança, adentra, sob o testemunho primeiro da mulher, o sepulcro vazio. Avista sinais, apenas sinais, mas sinais evidentes da vida que venceu a morte. Ele Ressuscitou! Está vivo! Está entre nós e nos dá a tranquilidade de sua paz! Dissipa a escuridão do pecado, desfaz todo medo, dúvidas e incertezas e pelo seu Espírito nos envia a anunciar a Boa Nova da vida, da paz e da suprema e integral libertação. Anunciar a Boa Nova do perdão, da reconciliação que renova a vida a partir de sua miséria individual e comunitária. Ele nos faz agora, testemunhas, mártires, missionários e nos unge com o óleo para o serviço.

Páscoa, hora de ir fundo na vivência da fé que se torna compromisso para partir e repartir, partilhar e compartilhar o pão da vida, alimento do amor-doação pelos irmãos. É hora de abraçarmos em nossas comunidades, pastorais, movimentos e grupos a causa vencedora de Jesus: “Eu vim para que todos, todos tenham vida plenamente”.

Páscoa é agora, na nossa hora cotidiana e histórica, para forjar pelo dom que recebemos, o novo, a vida nova em todos os cantos e recantos e lá onde a vida não tem voz nem vez. É a nossa hora de vivermos a passagem (=Páscoa) da morte para a vida, da injustiça para a justiça do Reino, da violência para a Paz do Ressuscitado, da indiferença para a verdadeira fraternidade.

É a nossa hora de Páscoa, de Ressurreição. Hora de nossa Páscoa na Páscoa do Ressuscitado.

Pe Mauro Ségio Souza Nunes

Macaé , 19 de  abril   2012

 

ESPERANÇA NA JUVENTUDE

 

O último domingo do mês de outubro é especialmente dedicado à juventude em todos os cantos e recantos do país. Dia de celebração e reflexão, de encontro e de compromissos e, principalmente, de compartilhar os sonhos.

A juventude é mais que uma fase da vida. É um estado de espírito que deve permanecer vivo e vibrante na mentalidade e no coração humano. É a face dinâmica, plena de energia e gosto pela vida; é a doce irreverência e o despertar para os sonhos de um mundo novo e melhor. A juventude alimenta a esperança de que um dia as coisas e a realidade possam superar suas mazelas e, por sua vez, suas expectativas encontram respostas em Jesus Cristo e no seu Evangelho: “Eu vim para que todos tenham vida e vida plena”.

Infelizmente, o que se tem oferecido à nossa juventude não são elementos que possam  preencher seu espírito e potencializá-los para uma vida sadia e de qualidade. Os nossos jovens, não raro, são reféns de um sistema que sufoca os seus mais profundos anseios e os torna quase que em consumidores irracionais; a música, por exemplo, é um dos mais fortes elementos na nossa cultura que atrai os jovens, porém não os transmite mensagens que edifiquem humanamente suas vidas; na tecnologia, encontramos os mesmo dilema, uma vez que com seus velozes avanços, poderiam possibilitar um caminho de inclusão, integração e expressão de suas esperanças, mas em geral, não os canaliza para tais fins, muito pelo contrário.

As questões referentes à juventude ainda se agravam pela porta larga e aberta para o caminho das drogas. Vários fatores podem ser apontados como possíveis causas para esse desvio de rota, entre eles, a ausência de políticas públicas que permitam a ascensão social e acesso à uma qualidade melhor de vida. O fator família é outro que muito influencia na formação de nossa juventude. Muitos, por não saberem ainda lidar com os problemas, tomam atitudes de revolta diante das difíceis situações familiares. Por outro lado, é comum se dizer que os jovens não querem nada; se enveredam para o mundo das drogas, são logo tratados como criminosos natos, como se nascessem destinados a esse fim. Raramente, ouvimos a pergunta: por que tais jovens assumiram essa ou aquela postura de vida? O que não dá é para se contentar com respostas tão simplórias e absurdas, pois ninguém nasce criminoso; ninguém nasce escravo. Os números escandalosos de jovens assassinados em nosso país não podem encontrar explicações e justificativas que, ao final das contas, significam “lavar as mãos”.

Contudo, há esperança na juventude. Ela quer viver e resiste bravamente às armadilhas que cruzam seu caminho. Encontramos muitos jovens, de formação religiosa ou não, que estão superando as expectativas pessimistas de quem já deixou de viver por não sonhar e não acreditar que a vida á acima de tudo, um precioso dom de Deus. Viva a juventude! Viva a vida! Amém!

Pe Mauro Ségio Souza Nunes

 

MOVIMENTO FÉ & POLÍTICA E A SOCIEDADE DO BEM VIVER

Nas culturas

Aimara – antigamente os moradores das comunidades aimara na Bolívia aspiravam a ser qamiris (pessoas que vivem bem).

Quechuas – igualmente, as pessoas desta cultura desejavam ser um qhapaj (pessoa que vive bem). Um bem-estar que não é econômico.

Guarani – o guarani sempre aspira a ser uma pessoa que se move em harmonia com a natureza, isto é, que espera algum dia ser iyambae.

O Bem-viver dá prioridade à natureza mais que ao ser humano

Priorizar a vida

Bem-viver é buscar a vivência em comunidade, onde todos os integrantes se preocupam com todos. O mais importante não é o ser humano (como afirma o socialismo) nem o dinheiro (como postula o capitalismo), mas a vida.

Obter acordos consensuados

Bem-viver é buscar o consenso entre todos, o que implica que mesmo que as pessoas tenham diferenças, na hora de dialogar se chegue a um ponto de neutralidade em que todas coincidam e não se provoquem conflitos. “Não somos contra a democracia, mas o que faremos é aprofundá-la, porque nela existe também a palavra submissão e submeter o próximo não é bem-viver”.

Respeitar as diferenças

Bem-viver é respeitar o outro, saber escutar todo aquele que deseja falar, sem discriminação ou qualquer tipo de submissão. Não se postula a tolerância, mas o respeito, já que, mesmo que cada cultura ou região tenha uma forma diferente de pensar, para viver bem e em harmonia é necessário respeitar essas diferenças. Esta doutrina inclui todos os seres que habitam o planeta, como os animais e as plantas.

Viver em complementaridade

Bem-viver é priorizar a complementaridade, que postula que todos os seres que vivem no planeta se complementam uns com os outros. Nas comunidades, a criança se complementa com o avô, o homem com a mulher, etc.

Equilíbrio com a natureza

Bem-viver é levar uma vida equilibrada com todos os seres dentro de uma comunidade. Assim como a democracia, a justiça também é considerada excludente, de acordo com o chanceler David, porque só leva em conta as pessoas dentro de uma comunidade e não o que é mais importante: a vida e a harmonia do ser humano com a natureza. É por isso que Viver Bem aspira a ter uma sociedade com equidade e sem exclusão.

Defender a identidade

Bem-viver é valorizar e recuperar a identidade. Dentro do novo modelo, a identidade dos povos é muito mais importante do que a dignidade. A identidade implica em desfrutar plenamente de uma vida baseada em valores que resistiram mais de 500 anos (desde a conquista espanhola) e que foram legados pelas famílias e comunidades que viveram em harmonia com a natureza e o cosmos.

Aceitar as diferenças

Bem-viver é respeitar as semelhanças e diferenças entre os seres que vivem no mesmo planeta. Ultrapassa o conceito da diversidade. “Não há unidade na diversidade, mas é semelhança e diferença, porque quando se fala de diversidade só se fala de pessoas”, diz o Chanceler. Esta colocação se traduz em que os seres semelhantes ou diferentes jamais devem se ofender.

Priorizar direitos cósmicos

Bem-viver é dar prioridade aos direitos cósmicos antes que aos Direitos Humanos. Falar sobre os direitos da Mãe Terra é mais importante do que falar sobre os direitos humanos.

Saber comer

Bem-viver é saber alimentar-se, saber combinar os alimentos adequados a partir das estações do ano (alimentos de acordo com a época). Alimentar-se bem garante boa saúde.

Saber beber

Bem-viver é saber beber álcool com moderação. Nas comunidades indígenas cada festa tem um significado e o álcool está presente na celebração, mas é consumido sem exageros ou ofender alguém. “Temos que saber bebe.

Saber dançar

Bem-viver é saber dançar. A dança se relaciona com alguns fatos concretos, como a colheita ou o plantio. As comunidades continuam honrando com dança e música a Pachamama, principalmente em épocas agrícolas; entretanto, nas cidades as danças originárias são consideradas expressões folclóricas. Na nova doutrina se renovará o verdadeiro significado do dançar.

Saber trabalhar

Bem-viver é considerar o trabalho como festa. “O trabalho para nós é felicidade”, disse o chanceler David, que realca que ao contrário do capitalismo onde se paga para trabalhar, no novo modelo do Estado Plurinacional, se retoma o pensamento ancestral de considerar o trabalho como festa. É uma forma de crescimento, é por isso que nas culturas indígenas se trabalha desde pequeno.

Retomar o Abya Yala

Bem-viver é promover a união de todos os povos em uma grande família. Isto implica em que todas as regiões do país se reconstituam no que ancestralmente se considerou como uma grande comunidade. É por isso que vemos bons sinais de presidentes que estão na tarefa de unir todos os povos e voltar a ser o Abya Yala que fomos”.

Reincorporar a agricultura

Bem-viver é reincorporar a agricultura às comunidades. É recuperar as formas de vivência em comunidade, como o trabalho na terra, cultivando produtos para cobrir as necessidades básicas para a subsistência. Neste ponto se fará a devolução de terras às comunidades, de maneira que se produzam as economias locais.

Saber se comunicar

Bem-viver é saber se comunicar. Retomar a comunicação que existia nas comunidades ancestrais. O diálogo é o resultado desta boa comunicação mencionada pelo Chanceler. “Temos que nos comunicar como antes os nossos pais o faziam, e resolviam os problemas sem que se apresentassem conflitos, não temos que perder isso”.

 

O Bem-viver não é “viver melhor”, como propugna o capitalismo

 

Controle social

Bem-viver é realizar um controle obrigatório entre os habitantes de uma comunidade. Nos tempos ancestrais, “todos se encarregavam de controlar as funções que suas principais autoridades realizavam”.

Trabalhar em reciprocidade

Bem-viver é retomar a reciprocidade do trabalho nas comunidades. Nos povos indígenas esta prática se denomina ayni, que não é mais do que devolver em trabalho a ajuda prestada por uma família em uma atividade agrícola, como o plantio ou a colheita.

Não roubar e não mentir

Bem-viver é basear-se no ama suwa e ama qhilla (não roubar e não mentir, em quéchua). É um dos preceitos que também estão incluídos na nova Constituição Política do Estado e que o Presidente prometeu respeitar. Do mesmo modo, para o Chanceler é fundamental que dentro das comunidades se respeitem estes princípios para conseguir o bem-estar e confiança em seus habitantes. “Todos são códigos que devem ser seguidos para que consigamos viver bem no futuro”.

Proteger as sementes

Bem-viver é proteger e guardar as sementes para que no futuro se evite o uso de produtos transgênicos. O livro Viver Bem, como resposta à crise global, da Chancelaria da Bolívia, especifica que uma das características deste novo modelo é preservar a riqueza agrícola ancestral com a criação de bancos de sementes que evitem a utilização de transgênicos para incrementar a produtividade, porque se diz que esta mistura com químicos prejudica e acaba com as sementes milenares.

Respeitar a mulher

Bem-viver é respeitar a mulher, porque ela representa a Pachamama, que é a Mãe Terra que tem a capacidade de dar vida e de cuidar de todos os seus frutos. Por estas razões, dentro das comunidades, a mulher é valorizada e está presente em todas as atividades orientadas à vida, à criação, à educação e à revitalização da cultura. Os moradores das comunidades indígenas valorizam a mulher como base da organização social, porque transmitem aos seus filhos os saberes de sua cultura.

Viver Bem e NÃO melhor

Bem-viver é diferente de viver melhor, o que se relaciona com o capitalismo. Para a nova doutrina do Estado Plurinacional, viver melhor se traduz em egoísmo, desinteresse pelos outros, individualismo e pensar somente no lucro. Considera que a doutrina capitalista impulsiona a exploração das pessoas para a concentração de riquezas em poucas mãos, ao passo que o Bem-viver aponta para uma vida simples, que mantém uma produção equilibrada.

Recuperar recursos

Bem-viver é recuperar a riqueza natural do país e permitir que todos se beneficiem desta de maneira equilibrada e equitativa. A finalidade da doutrina do Bem-viver também é a de nacionalizar e recuperar as empresas estratégicas do país no marco do equilíbrio e da convivência entre o ser humano e a natureza em contraposição à exploração irracional dos recursos naturais. “Deve-se, sobretudo, priorizar a natureza”, acrescentou o Chanceler.

Exercer a soberania

Bem-viver é construir, a partir das comunidades, o exercício da soberania no país. Isto significa, segundo o livro Viver Bem, como resposta à crise global, que se chegará a uma soberania por meio do consenso comunal que defina e construa a unidade e a responsabilidade a favor do bem comum, sem que nada falte. Nesse marco, se reconstruirão as comunidades e nações para construir uma sociedade soberana que será administrada em harmonia com o indivíduo, a natureza e o cosmos.

Aproveitar a água

Bem-viver é distribuir racionalmente a água e aproveitá-la de maneira correta. A água é o leite dos seres que habitam o planeta. “Temos muitas coisas, recursos naturais, água. Devemos valorizar o que temos e preservá-lo o melhor possível, isso é Bem-viver”.

Escutar os anciãos

Bem-viver é ler as rugas dos avós para poder retomar o caminho. O Chanceler destaca que uma das principais fontes de aprendizagem são os anciãos das comunidades, que guardam histórias e costumes que com o passar dos anos vão se perdendo. “Nossos avós são bibliotecas ambulantes, assim que devemos aprender com eles”, menciona. Portanto, os anciãos são respeitados e consultados nas comunidades indígenas do país.